Era uma vez um caracol que se sentia infeliz. A Natureza dera-lhe o fado e o fardo de suportar uma pesada carapaça durante toda a vida, o que o deixava numa imensa desventura. Invejava a sorte dos animais das redondezas, pois via-os a saltar, brincar, fazer trinta-por-uma-linha, enquanto ele – espartilhado pela obrigação de nunca abandonar a concha espiralada do seu tormento – se aborrecia pelas hortas e pomares da vida.
A tartaruga, também injustiçada pelos desígnios da Criação, bem tentava confortá-lo, argumentando que a Natureza teria, certamente, uma razão substancial para o haver concebido daquela maneira, mas o molusco não dava ouvidos à amiga, até porque os caracóis não têm ouvidos. Com o passar dos dias, as lamentações dele tornaram-se insuportáveis, todos os animais fugiam a sete pés mal lhe distinguiam a sombra.
Um dia (há sempre um dia!) desabou uma tempestade como nunca se vira, não era uma intempérie caprichosa da estação das chuvas, mas um dilúvio bíblico que destruiu covas e covis à sua passagem, desalojando os animais de suas tocas. Só o caracol, que tinha casa segura, saíu incólume da calamidade.
Mais tarde, quando chegou a bonança, os animais perceberam a importância de uma casa para toda a vida, e desde então o caracol passou a ser olhado pelos outros com o respeito que se guarda aos bichos avisados, era um ver-se-te-avias de saudações, olá boa tarde, que bela carapaça, tão sólida e resistente.
A partir desse episódio, o caracol compreendeu a utilidade da carapaça que lhe cobria o corpo e as motivações da Natureza. O azedume que o caracterizara e que fizera dele um vizinho a evitar transformou-se em doçura e simpatia. Era, agora, um caracol feliz.