Arquitectura

Texto produzido para o website do Atelier de Arquitectura, em defesa da relação harmoniosa que deve existir entre a Arquitectura , a Arte e a Ciência.

ARQUITECTURA
As suspeitas parecem confirmar-se. A Arquitectura e a Música são amantes. Partilham o mesmo leito desde sempre. Goethe bem dizia que a Arquitectura é Música petrificada. Ou, inversamente, que a Música é Arquitectura sonora. É curiosa esta relação entre as duas artes. Stravinsky, o autor da Sagração da Primavera, escreveu nas suas Crónicas da Minha Vida que não é possível precisar melhor a sensação produzida pela música do que identificando-a com a que provoca em nós a contemplação do jogo das formas arquitectónicas; Siegfried Wagner, filho do grande Richard do mesmo nome e neto de Franz Lizt, hesitou muito tempo entre a arquitectura e a música. Optou pela segunda e, a acreditar na falta de intemporalidade das suas óperas, talvez tenha cometido um erro grosseiro. Ou então, optou bem, e a Arquitectura agradece, com deferência.
 
A Matemática, companheira fiel da Música e sua intérprete científica, há longos anos que conhecia a relação incestuosa entre a Arquitectura e a Música. Foi compreensiva. Condescendente. Promíscua, até, no silêncio da denúncia.
 
As outras artes, como a Pintura, Escultura, Literatura e até o Cinema, sétimo filho e bem mais novo que as irmãs, partilhavam com as ciências fundamentais, como a Física e a Química, o segredo do adultério. Não foram poucas as vezes que se avistavam, em grupos de dois, três ou quatro, num local recatado e impermeável a ouvidos indiscretos, coscuvilhando o escândalo da traição.
 
A indignação maior vinha da Literatura, que usava o domínio mais-que-perfeito da palavra para lançar na mesa da conversa todas as inconfidências que conhecia. A Escultura raramente fazia comentários e distraía-se, amiudadas vezes, na contemplação da beleza das suas próprias formas e na presença majestática do seu volume; a Pintura, na maior parte desses encontros entre pares, repetia frequentemente que estava nas tintas para o que sucedia e só prestava atenção ao colorido dos factos; o Cinema – esse – revelava-se o mais inventivo nas conjecturas e fazia sempre um filme da relação entre as duas Artes, ora dramático, ora cómico, numa sucessão imaginativa sem limites e prenhe de efeitos especiais.
 
A Física e a Química, velhas amigas da Matemática, lamentavam com sinceridade a situação delicada da ciência das ciências. A primeira, com a mania de vice-rei das ciências, mostrava-se adepta de uma solução radical e valia-se das equações de Newton para advogar o uso da força bruta e colocar a Música no seu devido lugar; a Química, mais sentimental, só falava em feromonas e no poder afrodisíaco de algumas substâncias que, quando bem combinadas, fazem nascer até o mais improvável dos amores, num regresso saudoso à época em que era conhecida por Alquimia.
 
Mas a Arquitectura tinha as suas razões. Não fazia alarde delas, mas sabia, conscientemente, que se tinha de relacionar intimamente com todas as Artes e Ciências. E pouco se importava com os contos e ditos. Desde Vitrúvio, com a sua tríade, que se habituara a ser alvo de todas as polémicas e já nada a apoquentava. A Arquitectura soube sempre, que nada seria sem o rigor da Matemática, Física e Química na edificação das suas construções; que nada seria sem as Artes Plásticas na construção de formas e imagens reveladoras de uma estética singular e até poética. A organização do espaço e dos seus elementos não é obra de apenas uma arte ou ciência. Resulta do contributo harmonioso de todos, num modo semelhante ao funcionamento de uma orquestra. Promiscuidade? Não! Apenas Arquitectura.
 


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