Lenda da Senha de Zé do Telhado

Texto produzido para uma brochura de apresentação do vinho Pecado Capital. A casa de Zé do Telhado, hoje em ruínas, é vizinha das terras de onde se colhem as uvas para elaborar o vinho.
 
Viviam-se tempos conturbados. O povo não se refizera ainda das cicatrizes da guerra civil, das sublevações populares e da intervenção estrangeira a pedido da rainha.

LENDA DA SENHA DE ZÉ DO TELHADO
Reza a tradição que um abastado proprietário rural, algures no terceiro quartel do século XIX, regressava a casa ao crepúsculo, de carteira recheada por negócios rendíveis que fizera nesse dia, a mais de duas léguas da casa que habitava.
 
Viviam-se tempos conturbados. O povo não se refizera ainda das cicatrizes da guerra civil, das sublevações populares e da intervenção estrangeira a pedido da rainha. A fome grassava de norte a sul, e muitos daqueles que haviam combatido com galhardia sobreviviam do crime, de assaltos a casas senhoriais e de furtos a incautos que se aventuravam pela serrania.
 
O bandoleiro que colhia mais fama e proveito era Zé do Telhado, que passara de comendador da Ordem da Torre e Espada, por feitos heróicos na Revolução da Maria da Fonte, a comandante de uma quadrilha de malfeitores, por razões de sobrevivência.
 
Há um bom par de anos, as sinuosidades do destino haviam feito com que o lavrador tivesse dado guarida em sua casa a essa lenda viva, mas sem saber de quem se tratava, até Zé do Telhado se ter apresentado, à despedida, e deixado um salvo-conduto escrito pelo próprio punho e uma senha improvisada ali mesmo, para proteger o anfitrião de eventuais encontros com gente do seu bando. O agricultor não acreditou naquele homem de barba generosa e chapéu de abas largas, mas tratou de guardar o papel no boldo e a senha na memória, não fosse o diabo tecê-las.
 
Nessa época havia vários bandos a aterrorizar a população e o lavrador tinha consciência do tamanho da sua ousadia. Contudo, nada o impediu, nesse fim de tarde, de se arriscar pelas estradas e caminhos que se avistam do Marão, desejoso de se aquecer ao fogo da lareira na companhia da sua mulher e filhos, alguns destes ainda petizes.
 
Ao fim de algum tempo de jornada pelas terras onde hoje se plantam as vinhas que permitem a feitura deste vinho, saiu-lhe um salteador à liça, de revólver em punho. O agricultor embranqueceu de medo. Depois lembrou-se do papel que guardara e mostrou-o ao assaltante, rezando a todos os santos para que o homem a quem dera guarida tivesse sido mesmo Zé do Telhado e não um aldrabão qualquer.
 
Sem largar o revólver, o quadrilheiro desdobrou o papel amarrotado, leu o que nele estava escrito, reconheceu a assinatura do comandante e pediu a senha ao lavrador assustado. E este, lívido e tremente, lá se descoseu e disse: “PECADO CAPITAL”.


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